Despedida e Agradecimento!
10:59 Quantas coisas precisam morrer para que se descubra aquilo que não morre dentro de nós? Jean-Yves Leloup fala dessas mortes necessárias para irmos ao encontro do Ser. Nessa jornada de mortes e renascimentos, cada um com sua história, passa por muitos lugares e paisagens. Há que se conhecer os calabouços, os vales de solidão, as tribunas da fama, as férias de amortecimento da consciência, as feridas da traição, o abandono, a hipnose de seguir os rebanhos, a perda dos mapas, a loucura ainda que sutil e temporária, a alteração de conduta de companheiros próximos, a perda da identidade, as perdas.... para enfim, encontrar os espaços dentro de nós que nos conectam com o que viemos ser neste mundo, que passam a existir porque nesses espaços o amor entrou.
Essa jornada apesar de muitas vezes difícil guarda também os jardins da paz interior, as paisagens no alto das montanhas conquistadas, os companheiros que compartilham conosco o pão e a prosa, as feridas cicatrizadas, o apoio do Alto que nunca nos abandona, as provas bem suportadas, o bem que se recebe e se oferta, as boas surpresas, a alegria de viver.
Não estou fazendo uma apologia ao sofrimento, ao contrário, acredito que exista uma diferença fundamental entre dor e sofrimento. O sofrimento é uma escolha, a dor é parte do crescimento. Infelizmente muito temos confundido e facilmente chegamos a associar felicidade com hedonismo, conquista espiritual com inflação do ego, busca de suprir nossas necessidades sem medir "o como" com justiça e auto-amor. Mas ainda que nos deparemos com esses desenganos, quem pede sempre alcança e quem pede para evoluir encontra os desafios e oportunidades. Esses desafios inevitavelmente chegam para cada um.
Enfim, nesse processo de mortes e renascimentos... de tornar-me mais humana, mais hummus- terra, se tornou indispensável viver o que essa essência pede, conhecer meus limites, por isso a palavra humildade vem daí...de hummus. Humilde é conhecer seus limites de qualidades e dificuldades.... nem mais nem menos.
Clarissa Pincola Estés tem um livro lindo chamado "O jardineiro que tinha fé" e em um dos contos do livro, há uma metáfora da terra e nosso vir-a-ser:
"Pois a terra tem muita paciência. Sabe? Ela aceita a semente, a erva daninha, a árvore, a flor. Aceita a chuva, o grão, o fogo. Permite a entrada e nos convida. Ela é o anfitrião perfeito"
Em um dos contos.... surge a imagem do fogo que devasta um campo, uma floresta, queima tudo... e surge o tempo de cinzas.... o meu tempo.
"Mas o fogo vem. Mesmo que tenhamos medo, ele vem de qualquer jeito, às vezes por acaso, às vezes de propósito, às vezes por motivos que ninguém pode entender, motivos que só são da conta de Deus." Mas o fogo pode também levar tudo para uma nova direção, uma vida diferente e nova, uma vida que tenha seus próprios pontos fortes e seus próprios meios de moldar o mundo.”
Clarissa fala sobre a força das sementes que encontram a Terra em cinzas e ali encontram o espaço de onde não existe quase nada e germinam. A força da resiliência. O tempo das cinzas é um tempo de calar, onde as poucas certezas que permanecem é que sentindo a ação devastadora do fogo na própria plantação... haja o que houver.... não vale a pena ser quem provoca o incêndio, quem finge não ver o fogo queimando na plantação do outro....
A dor que o fogo da destruição provoca serve para lembrar que caso você venha a ser parte do que levou ao incêndio da plantação de alguém, que você possa colocar a cabeça no travesseiro e ter a certeza que você ao invés de pensar "ele merecia passar por isso", "ele precisa passar por isso", "eu não tenho nada a ver com isso"....você pelo menos tentou ajudar a apagar o fogo, pelo menos não foi responsável em fazer crescer o tamanho da destruição.
Em tempo de cinzas os mestres espirituais são a fé e kairós, a esperança e a vontade, o desejo de perdoar e o desapego, a realidade e a renúncia, a compreensão e o sacrifício, a compaixão e o auto-amor.
As palavras vazias de testemunho perdem sentido por completo e a voz que merece ser ouvida não está mais nas tribunas. A força do recomeço pede para ser tão enérgica quanto os limites necessários de serem colocados para que a destruição não se perpetue.
As palavras vazias de testemunho perdem sentido por completo e a voz que merece ser ouvida não está mais nas tribunas. A força do recomeço pede para ser tão enérgica quanto os limites necessários de serem colocados para que a destruição não se perpetue.
Mas em tempo de mortes e renascimentos, a força das novas sementes virão... e um solo antes devastado prepara-se entre o Sol e a Lua, a chuva e o vento, para fazer germinar aquilo que não morre e não acaba nunca.
Nessa sintonia me despeço agradecendo a todos que compartilharam do Perfume ao longo desses anos. Meu tempo é de partir e encerrar este espaço que faz parte de um ciclo que também se encerra para plantar novas flores.
Achei que nada mais justo seria escrever um texto de despedida e deixar com vocês na voz do Chico, minhas melhores vibrações de gratidão. As preces na voz do Chico sempre me acalmam e me elevam... Essa é a paz que eu desejo a você.
Com carinho,